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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

01/10/2018 - 14h36min

Daniel Andriotti

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Intolerância Gratuita

Um amigo que viveu muito tempo na Europa, ao retornar resolveu comprar uma casa na Serra Gaúcha. Na Europa, convivia com a neve boa parte do ano, lógico. Mas aqui, nunca. Eis que, neste último inverno – cá entre nós bem rigoroso – saiu à rua num dia pela manhã e... lá estava ela: a neve. Pensou: “vou fazer o que sempre fiz quando morei no velho continente: um boneco de neve”. O resto, ele mesmo relata:

- Às 8h, saí para a rua e fiz um boneco de neve. Às 8h30min, uma feminista passou e me perguntou por que não fiz um boneco com feições e traços femininos. Quinze minutos depois, transformei o meu boneco numa mulher de neve. Ela continuou: disse que aquela vassoura que usei como sustentação trazia duas conotações: a primeira, representando a submissão das mulheres como empregadas domésticas. E a segunda, a de uma bruxa. Nisso, uma vizinha fitness reclamou que o perfil voluptuoso da minha mulher de neve era uma afronta àquelas que tinham um corpo malhado.

Às 9h da manhã, um casal gay que passava pelo local teve uma crise de ódio. De cara, me enquadrou como homofóbico e protestou por eu não ter feito dois homens de neve. Nisso, um transgênero parou seu carro, abriu o vidro e esbravejou, questionando o fato de eu não ter feito um boneco com partes removíveis.

Tentando me refazer da enxurrada de críticas, percebi a aproximação de um grupo de veganos, com faixas e cartazes em defesa da cenoura que coloquei no nariz da minha criatura, uma vez que aquilo se tratava de um alimento de alto valor e, portanto, não deveria estar ali, exposto, de forma grotesca enfiada na cara de um boneco. No entanto, esse grupo foi ofuscado por um cavalheiro muçulmano do outro lado da rua. Ele exigia que a minha mulher da neve vestisse burca.

Enfim, chegou a polícia. Ufa. Ainda bem. Mas para minha surpresa, os policiais traziam uma denúncia de racismo e discriminação contra mim pelo simples fato da minha boneca ser... branca como a neve. E ainda, buscaram informações junto à Interpol para saber se pertenço a alguma organização terrorista financiada pelo capital estrangeiro. Um promotor de justiça chegou a ameaçar-me pela perturbação da ordem pública, exigindo que eu me retratasse perante a lei. Foi quando estacionou um veículo de uma emissora de TV. Fui parar no noticiário como um suspeito, terrorista, racista, homofóbico e delinquente. A essa altura as redes sociais já estampavam minhas fotos ao lado do boneco de neve e, metade dos comentários eram de manifestantes de extrema direita garantindo que viram um button escrito “Lula Livre” no peito do boneco, e a outra metade – evidentemente de esquerda – afirmando que sou um liberal, integrante de uma elite capitalista e opressora. Ativistas de uma ONG me acusaram de poluir a neve e, por fim, chegaram os religiosos: uns, exigindo a minha decapitação pois só quem pode dar forma às criaturas é Deus; e outros, tentando me exorcizar batendo com um enorme crucifixo na minha cabeça.

É evidente que essa é uma história fictícia. Uma falácia. Mas é com esse festival de aberrações e intolerâncias que vivemos os dias atuais. Por mais absurdo que seja tudo isso que narrei aqui, a probabilidade do enfrentamento por quase nada, é enorme. Muitas delas estão acontecendo a cada minuto, sem que percebamos, por coisas bem mais simples do que um boneco de neve.

Temo pelo caminho onde tudo isso poderá nos levar. Principalmente em períodos eleitorais, de acirradas e extremas polarizações.

Oremos.



Daniel Andriotti

[email protected]

Publicado em 29/9/2018.

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