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24/05/2021 - 14h20min

Comportamento

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Tricô na Cozinha

As noites de outono transformavam o astral lá de casa. Logo que o vento começava a assobiar, anunciando um novo inverno, começava o tradicional tricô na cozinha, atividade paralela aos doces, embalada pelo programa da Hebe Camargo e as boas histórias antigas. Os blusões feitos pela Dona Wanda, minha Mãe, e o seu grupo de amigas esquentavam corpos e almas.


Fogão a lenha aceso, tacho de cobre com doce de abóbora fervendo lentamente, as poltronas da nossa enorme cozinha posicionadas para a telinha da tevê em preto e branco, em distância regulamentar do fogo, para que esquentasse sem comprometer a saúde. E as mulheres iam chegando e se acomodando, com agulhas e novelos de lã, para o ritual do artesanato, da doçaria e da amizade.


Muito aprendi com aquela parceria, desde criança, incluindo o próprio tricô e os doces. Além da valorização das boas amizades, compreendi a enorme felicidade que abriga um ambiente aquecido e amoroso nas noites frias.


Lá pelas tantas, chegava o momento do chá quentinho com bolachas, às vezes arroz de leite recém-feito; em outras, pinhão, amendoim torrado ou batata-doce de forno. Tudo parecia ter mais sabor naquelas noites.


Eu adorava ouvir as histórias antigas, como as que a Dona Gueda contava sobre o trabalho caseiro que ela e sua irmã faziam. Moravam no Ermo, e o pátio da casa dava para o Lago Guaíba. Então, antes de lavarem as panelas de ferro, carregavam-nas até a beira e passavam areia para tirar a primeira camada de sujeira, depois terminavam o serviço na pia da cozinha. “É daí que vem a palavra ariar panelas”, me ensinou aquela antiga tricoteira.


A maior das doceiras guaibenses também fazia parte do grupo, chamava-se Lucília. Fiquei sabendo por ela que, anos antes, tinha comprado um bom terreno, onde construíra sua casa, graças à insistência do Tio Arcelino, irmão do meu Pai, que era corretor de imóveis. “Tenho gratidão por isso”, disse ela, ensinando-me mais uma extraordinária lição de vida.


Aprendi a tricotar com a Daura, que era canhota, por isso eu me tornei um caso raro: sou canhota apenas para o tricô. Era nossa irmã adotiva, dava-nos sempre a maior atenção. Acendia o fogo, mostrava-se perita em boa lenha e quitutes campeiros. Ouvia muito mais do que contava. “Gosto das histórias delas, aprendo muito”, declarava aquela minha querida mestra de agulhas e humildade.


As noites de outono, quando chegam, me deixam emocionada. Lembro do tradicional tricô na cozinha materna, fogão a lenha aceso, doces e boas histórias. Os blusões feitos pela Dona Wanda, minha Mãe, e o seu grupo de amigas esquentavam corpos e almas.



Cristina André

[email protected]

Publicado em 21/5/21.

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