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Domingo, 28 de abril de 2024

26/07/2019 - 14h39min

De Camaquã a Laguna - Os 180 Anos da Homérica Travessia do Seival

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Por Catullo Fernandes

Há exatos 180 anos transcorreu uma das maiores epopeias náuticas, que na história dos conflitos mundiais, em qualquer época, a humanidade jamais ousara sonhar. A homérica travessia do Seival, protagonizada pelo condottiere italiano Giuseppe Garibaldi (Nice - 4 de julho de 1807 / Caprera - 2 de junho de 1882), iniciava em julho de 1839, partindo de Camaquã/RS com destino a Laguna/SC. O episódio foi sem sombra de dúvida o capítulo mais contundente e emocionante no cenário da Revolução Farroupilha.

O marinheiro, de 31 anos de idade, perseguido na Itália, depois de passar pelo Rio de Janeiro e o Uruguai chega a Piratini, onde recebe a incumbência de montar um estaleiro na foz do rio Camaquã, localidade da Charqueada, que existe até hoje, e encontra-se no atual Distrito da Pacheca. Na primeira capital farroupilha, ele se encontrou com o ministro Domingos José de Almeida, um importante líder farroupilha, que comandava os custos operacionais da revolução, lembrando que nesta época o general Bento Gonçalves encontrava-se preso. Garibaldi acompanhado por italianos, uruguaios e escravos libertos aportou nas ilhas do Camaquã em 1838, e no ano seguinte realizava seu maior feito na América do Sul.

Às margens do rio Camaquã, na Estância da Barra, propriedade de Antônia Joaquina da Silva, irmã do general Bento Gonçalves (local que inspirou a ficção “A Casa das Sete Mulheres”), Garibaldi erigiu o estaleiro da República Rio-Grandense. A outra residência que o acolheu também estava localizada na chamada Sesmaria do Brejo, propriedade da filha de Antônia - Anna Ventura da Silva, esposa do juiz farroupilha Manoel da Silva Pacheco, que mais tarde passaria a ser conhecida como Dona Pacheca, daí o nome do Distrito - a grande referência geográfica e histórica de Camaquã Terra Farroupilha.

Foi neste ambiente de hospitalidade, nas casas de mãe e filha, que o condottiere italiano conheceu Manoela, a protegida de Bento Gonçalves. Enamorados à primeira vista o romance não prosperou, pois a família não aceitou o namoro, tendo inclusive criado um álibi de que a jovem donzela de olhos azuis estava prometida para Joaquim, filho do general. Manoela jamais se casou e faleceu em Pelotas, em 1903. A manchete nos jornais da época trazia o singelo epitáfio - Morre a noiva de Garibaldi!

A Construção dos Barcos

Foi ali naquele lugar seguro e acolhedor que o corsário italiano comandou a construção das duas principais embarcações da frota farrapa - o Seival, um lanchão mais leve com 12 metros de comprimento e o Farroupilha com 18 metros, ambos armados com quatro canhões de doze polegadas. O experiente norte-americano John Griggs, apelidado de João Grande, que já estava no local, era responsável pelos trabalhos de carpintaria, e já havia construído dois barcos menores.

O trabalho árduo dependia do improviso e da criatividade. A madeira vinha das matas nativas das ilhas onde o pequeno estaleiro estava instalado. Do outro lado do rio, na Estância da Barra, o ferro era forjado e a própria fazenda fornecia a cordoalha de couro trançado e os cabos de sisal necessários para as velas dos barcos. O rio Camaquã com seu curso sinuoso foi um grande aliado dos farroupilhas.

A Viagem Inusitada

As duas pesadas embarcações - o Seival e o Farroupilha – percorreram a primeira etapa do percurso despistando o inimigo, nas águas da Lagoa dos Patos patrulhadas pela marinha imperial sob o comando do marinheiro inglês John Grenfell. A seguir, entre o rio Capivari e a barra do Tramandaí, os lanchões foram colocados sobre duas enormes carretas, com rodas de madeira medindo cerca de três metros de diâmetro, puxadas por juntas de bois, e transportadas por terra ao longo de 100 km, durante os dias 5 e 14 de julho. E a partir daí os barcos ingressaram no mar singrando o Atlântico rumo à Santa Catarina.

Esta ousada manobra militar proporcionou aos farrapos a conquista de Laguna em 22 de julho de 1839, e no dia 29, a fundação da efêmera República Juliana. Embora o naufrágio do Farroupilha, com a morte de diversos companheiros italianos e gaúchos, Garibaldi teve seu esforço amenizado. Ali Garibaldi encontrou Ana Maria de Jesus Ribeiro, hoje conhecida internacionalmente como Anita Garibaldi.

Naquele mesmo ano, o mercenário Grenfell adentrou as três bocas do rio Camaquã, liderando uma forte armada e centenas de soldados cumprindo a missão de destruir em definitivo o estaleiro e o que restava da frota farrapa. Garibaldi trocava os barcos pelos cavalos e rumava para o Uruguai cavalgando ao lado de Anita e de seu filho gaúcho, recém-nascido, Menotti. O “herói de dois mundos” jamais voltaria a pisar em terras camaquenses.

O Místico Seival

O Seival - nome batizado em alusão à épica vitória obtida pelos farrapos na Batalha do Seival (1836), que ensejou a proclamação da República Rio-Grandense - encerra seus dias de glória apreendido pela marinha imperial, e depois fica abandonado até ser transformado em iate mercante com o nome de “Garrafão”. Nesta condição navegou ainda muitos anos, acabando encalhado em uma praia de Laguna. Em 1916, quando ia ser restaurado por pesquisadores italianos, foi queimado. No ano de 1945, foi encontrada uma figueira nos restos da quilha do místico Seival. Transplantada para uma praça de Laguna ficou conhecida como a “Árvore de Anita”.

Em 2019, registra-se os 180 anos deste feito único no mundo - a Epopeia dos Lanchões Farroupilhas. O episódio é descrito na obra “Memórias de Garibaldi”, publicada em Paris (1859), pelo famoso escritor Alexandre Dumas, autor do épico “Os Três Mosqueteiros”.

No momento, o professor Antônio Carlos Rodrigues, radicado em Camaquã, é o responsável pelo projeto Origem Farrapa, que pretende construir uma réplica do Seival na Região da Costa Doce.

Catullo Fernandes é poeta e pesquisador

Foto: DIVULGAÇÃO


Publicado em 27/7/2019.


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