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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

11/01/2021 - 08h50min

Daniel Andriotti

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Preto no Branco

Já escrevi uma porção de vezes nesse mesmo espaço sobre o fato do politicamente correto ter tornado a nossa vida um tanto quanto mais chata do que ela realmente possa ser. De um tempo para cá, tudo o que se diz ou que se escreve vira ofensa e imediatamente é hasteada a bandeira da discriminação, apoiada com todas as suas forças pela onipresença da internet. Respeito – e na maioria das vezes concordo plenamente, dependendo das circunstâncias – quando alguém me diz que o Brasil é um país que segrega grupos definidos por raça, orientação sexual ou gênero. Desde que o copo do bom senso não transborde.

Durante a minha graduação tive que ler e interpretar textos e mais textos escritos por teóricos da comunicação de diversas etnias, sobre a capacidade que o ser humano tem na sua forma de se expressar livremente como um mecanismo para manter a sociedade funcionando. E que, em decorrência disso, passamos a articular ideias, apontar problemas e chegar a um consenso para criar soluções. Tudo no sentido de evitar conflitos entre esses mesmos seres humanos. Só que, de um tempo para cá, qualquer colocação soa ofensivo a terceiros. Inclusive aquilo que não é.


Na minha adolescência fui chamado de polaco e alemão batata. Depois perdi os cabelos e virei o careca ou Kojak. Meus amigos eram o japa, o gordo (ambos por motivos óbvios), o Dumbo ou Dr. Spock (por causa das orelhas grandes), o Fiapo (por ser muito magro e alto), o Foguinho (por ser ruivo) e vários negros. Entre eles, o Feijão, o Saci, o Tição. Ninguém se ofendia, ninguém chorava escondido pelos cantos implorando a presença dos agentes da Anistia Internacional. Até começarem a nascer os chatos e desocupados que foram descobrindo diferenças que nunca existiram.


Semana passada um vereador recém empossado em Porto Alegre entendeu que o Hino Riograndense é racista na expressão “povo que não tem virtudes/acaba por ser escravo”. Ele até pode pensar isso, comentar em casa ou na rodinha de amigos do bar... Mas não tem o direito de pautar a opinião pública através da mídia com esse tipo de factoide. Ele, no mínimo, desconhece a história e que os autores do hino, Francisco Pinto da Fontoura e Joaquim José Mendanha, eram negros. E que nem todo escravo era negro. Isso, no mínimo, significa que não leu “A Escrava Isaura”, de Bernardo Guimarães; ou não viu a atriz branca Lucélia Santos, na única novela em que a gente lembra que ela foi protagonista.


Outro dia, num jogo pelo Campeonato Brasileiro, o volante Gérson, do Flamengo, sentiu-se injuriado e desabafou em frente às câmeras porque um jogador adversário, o colombiano Juan Pablo Ramirez, do Bahia, teria dito a ele durante o jogo: “cala a boca, negro!!!”. Penso que a ofensa deve ter sido mais pelo “cala a boca” – e essa, sim, é uma expressão agressiva e estúpida – do que tê-lo chamado de negro. Em tempo: quem não conhece o Gérson, saiba que ele é negro. É a sua raça. Negra. Ou nesse caso o Dia da Consciência Negra precisa ser repensado. A começar pelo nome.


Ainda no futebol, situações ocorridas com outros jogadores como Neymar, Tinga, Daniel Alves, Roberto Carlos, o goleiro Aranha – só para citar os mais conhecidos por nós, brasileiros – são diferentes: eles foram chamados, comparados ou tiveram algum tipo de associação com macacos. Para esses casos a repulsa é um dever e a punição deve ter o mais extremo rigor.


Prá encerrar: o Fluminense tem um jogador, negro, chamado Luccas Claro. Nesse caso, o Claro é sobrenome. Caso contrário, a patrulha faminta por factoides já o teria levado ao tronco, acorrentado, sem dó nem piedade?

Daniel Andriotti

Publicado em 08/1/21.

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