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Quinta-feira, 25 de abril de 2024

14/08/2017 - 08h58min

Daniel Andriotti

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Efeito cascata

Se falar da morte já é complicado, imagine falar da morte como alternativa para a vida. Não entendeu nada, caro leitor? Estou falando de suicídio...

Existe uma espécie de código de conduta (ou de ética) no jornalismo que se justifica pelo temor de que falar sobre o assunto pode ser uma maneira de incentivar o ato. Uma espécie de contágio ou o popular ‘efeito manada’: ‘motivar’ aqueles que, alguma vez, ‘já pensaram’ em por fim à própria vida.

O escritor e dramaturgo alemão Johann Wolfgang von Goethe precisou vir a público se defender depois que uma centena de jovens se suicidou depois de ler o livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, de 1774, em que o personagem principal se mata. Alguns desses jovens se vestiam como o protagonista do livro. Outros adotaram o mesmo método do personagem para morrer e a publicação foi encontrada no local da morte de muitos deles. A imitação de suicídios passou a ser chamada de Efeito Werther na literatura médica.

A percepção desse e de tantos outros "contágios" chamou a atenção da Associação Brasileira de Psiquiatria que, por sua vez, tratou de sugerir uma cartilha para os profissionais da imprensa sobre como divulgar suicídios (ou como tratar o assunto no contexto jornalístico). Num relatório da Organização Mundial da Saúde, publicado em 2014, o órgão inclui a cobertura sensacionalista da mídia como um fator de risco, seja por contribuir com “imitações” ou com a estigmatização das pessoas. Os psiquiatras entendem que o efeito multiplicador de uma determinada reportagem carregada de tensão e com riqueza de detalhes pode encorajar algumas pessoas mais vulneráveis a tomarem o suicídio como forma de chamar a atenção ou de retaliação contra outros.

Por que estou falando disso? Escrevi nesse mesmo espaço há poucas semanas uma visão crítica que tenho, mesmo sem ser um noveleiro, sobre o papel das novelas – e em especial, as da Globo –, na coluna do dia 15 de julho, com o título “A Vida Imita a Arte”. Entendo que elas ‘despertam’ acintosamente o desejo das pessoas facilmente influenciáveis pelas mazelas sociais: a corrupção, o ‘jeitinho’ brasileiro, a maracutaia e, agora, pela ascensão financeira que o tráfico de drogas traz, mesmo que momentâneo, a quem com ele se envolve. Momentâneo porque todo mundo sabe como isso termina.

Como todas as novelas escritas por Gloria Perez (que sempre tem um viés com racistas, homofóbicos, alcólatras...) “A Força do Querer” é o retrato puro dessa analogia de valorizar o que o brasileiro tem de pior. Essa, em especial, não fala de suicídios, é lógico. Mas aborda com tamanha riqueza de detalhes fatos como o quanto o tráfico de drogas enriquece e dá poder ao mundo do crime. Desperta o desejo de pessoas sem muita perspectiva – e que muitas vezes não tinham sequer o que comer – e, num estalar de dedos, são elevadas ao patamar da ostentação: carros importados, mansões com piscina térmica na favela, pesadas correntes de ouro no pescoço... sem entrar no mérito de que o traficante, muitas vezes, assume o papel de governo ao distribuir remédios, gás de cozinha, energia elétrica, TV a cabo, entre outros tantos benefícios “à comunidade”. Tudo muito fácil...

O efeito multiplicador para esses casos, em minha opinião, é o mesmo do suicídio, com respeito às devidas proporções. Mas parece que ninguém acha ruim. Só eu. Pense nisso.

Daniel Andriotti

[email protected]

Publicado em 12/8/2017.

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