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Quinta-feira, 18 de abril de 2024

19/06/2017 - 09h22min

Daniel Andriotti

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A Tatoo e a Cascavel

Há uma música do talentoso Zé Ramalho que diz: “...ê, oh oh/ vida de gado/ povo marcado/ povo feliz”. Pois então: no começo da semana passada ‘viralizou’ nas redes sociais um vídeo onde um tatuador ‘escreve’ na testa de um adolescente, suposto ladrão de bicicletas, a frase “sou ladrão e vacilão”. O tatuador e o amigo que filmou a cena foram presos porque cometeram um crime. E cometeram mesmo: tortura. Afinal de contas, não é assim que se resolvem assuntos dessa natureza.

Entretanto, comovidos com o problema e – acima de tudo – entusiasmados com a repercussão do fato, internautas coitadistas se mobilizaram numa ‘vaquinha online’ com o objetivo de pagar uma cirurgia corretiva e ajudar a família do adolescente a custear o processo para levar o caso à justiça. Até agora, pelo que se sabe, a campanha tem sido um sucesso pois já arrecadou uma quantia considerável. Por outro lado – até pelo clima de revolta generalizada contra tudo o que acontece no país – também há uma mobilização por parte de quem entendeu justa a ação do tatuador. E não são poucos, é lógico. Por isso, outras ‘vaquinhas online’ estão sendo fomentadas para ajudar a pagar a fiança do tatuador e do seu amigo. Isso significa que vivemos o caos. Social, político e econômico. A suposta bicicleta roubada pertencia a um deficiente físico. Que trabalhava. O suposto ladrão não trabalha mas é viciado em crack. E a torcida organizada, na arquibancada, jogando dinheiro para dentro da arena...

Como tudo no Brasil polariza para a ideologia política, os plantonistas de esquerda, de direita e de diagonal já se posicionaram: uns afirmam que o rapaz não roubou a bicicleta; outros entendem que roubou sim, mas justificam que era para sustentar o seu vício em drogas; enquanto que uma outra parcela, mais radical, garante que a eterna tatuagem foi pouco. Se fôssemos aliviar dessa forma nossa revolta contra a roubalheira no Brasil ia faltar testa de político para tatuar.

Minha opinião: estão todos errados nessa história. Todos. O adolescente que tentou roubar a bicicleta – ele precisa entender que tudo isso só aconteceu por uma decisão dele –, o tatuador que resolveu fazer justiça com as próprias mãos sem ser esse o seu papel; e a turma que está participando da ‘vaquinha’ on line que, em última instância, está retroalimentando um sistema caótico de (falta de) segurança pública. Quando aconteceu a rebelião no presídio de Manaus há alguns meses, um policial foi morto pelos criminosos e a família do militar não tinha sequer dinheiro para sepultá-lo. Não vi nenhuma ‘vaquinha’ para que houvesse um enterro digno. Era um policial honesto que morreu trabalhando... Por que, então, também não fazem ‘vaquinhas’ para ajudar hospitais filantrópicos, orfanatos, asilos, APAE’s... ???

Num país à deriva, a sede de justiça com as próprias mãos prevalece. Atitudes como linchamentos em praça pública – principalmente quando se trata de estupradores ou assaltantes com mais de 20 passagens pela polícia – são cada vez mais banais e menos impactantes. Tanto que o Brasil é um dos países que mais lincha no mundo: em média, uma ocorrência por dia. E por que isso acontece? Pelo mesmo motivo que acontece em Moçambique, no México, na Argentina, na Guatemala... Porque as instituições não funcionam. A Justiça é paquidérmica, morosa, cara, burocrática, lenta. Ninguém discute a legalidade de um linchamento num grupo que viu uma criança ser estuprada. Quem vai preso, hoje, no Brasil e paga integralmente pelo delito?

Portanto, a instituição judiciária no Brasil sempre foi um luxo para quem pode pagar um bom advogado; e um lixo para quem não conhece as regras. O Brasil tem duas sociedades: uma que segue a cartilha e outra que não concorda com ela. Por isso, gosto cada vez mais de uma definição feita pelo grande jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Galeano: a justiça é uma serpente venenosa que só ataca os pés descalços.

Daniel Andriotti

[email protected]

Publicado em 17/6/2017.

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