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Quarta-feira, 24 de abril de 2024

04/01/2021 - 10h23min

Comportamento

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Tempos Simbólicos

Dezembro de dois mil e dezenove. Preparávamos os amigos secretos, conversávamos sobre presentes e cardápios das festas de fim de ano. Sem distanciamentos controlados nem máscaras, totalmente livres para abraços e apertos de mãos, andávamos por aí, vento batendo no rosto, sem perceber a importância daquilo tudo. Na pressa desmedida de todo dia, esperando mais e mais da vida, foi assim que deixamos mais um ano para trás. Sob ameaça constante de uma modernidade às avessas, com claras intenções de dar sumiço ao passado.


Janeiro de dois mil e vinte. Estávamos outra vez naquela cidadezinha praiana que há décadas nos acolhia como moradores de férias, no lugar das boas recordações, onde o tempo sempre pareceu andar com passos de formiguinha. De repente, eis que reencontrei parte da alegria perdida no ano de dois mil e dezenove. Em uma loja à moda antiga, comprei um aparelho de som portátil que eu tanto havia procurado. Para ouvir meus CDs preferidos e mostrá-los a minha neta.


Depois de ouvir explicações diversas sobre a inutilidade e a estranheza daquele meu apreço por discos, em centros comerciais de grandes cidades, e ser submetida à insistência orquestrada para que eu passasse a usar pen drives, finalmente eu voltei a escutar minhas canções preferidas do jeito que eu gostava. Durante todo o ano.


Dezembro de dois mil e vinte. Em meio à pandemia ainda firme e forte, Natal quase chegando, saí para comprar o presente da minha neta. Escolhi boa máscara, lavei bem as mãos, coloquei bisnaga de álcool em gel na bolsa e saí de casa em direção à loja de brinquedos. No trajeto, breve retrospectiva me acompanhou em pensamentos. Como tudo estava diferente!


Passos lentos para apreciar a rua, lembrei dos meses que ficamos nos vendo de longe, eu e a criança que agora ilumina nossas vidas. Abraços apertados dando vez aos acenos cheios de saudade. E como foi maravilhoso o dia em que finalmente nos reencontramos, ambas de máscara, capa de chuva e capuz, apesar do Sol, e foi possível trocarmos um abraço presencial.


Já no meu destino, tentando escolher um presente que desse asas à imaginação da criança e fosse realmente divertido, ouvi um comentário que soou impressionante aos meus ouvidos. Um adulto maduro estava à procura de um time de botões para seu neto de oito anos. Ao perguntar em que prateleira poderia encontrá-lo, a atendente lhe respondeu, com certo constrangimento, que não vendiam aquele tipo de brinquedo.


O cliente avô então lhe falou, voz de desgosto e tom de desabafo, que se tratava do presente que o neto lhe pedira, e jamais poderia imaginar que não se jogasse mais futebol de mesa, botões como craques. Estava inconformado.


Imediatamente pensei nos meus irmãos, de como organizavam aqueles times de futebol que deslizavam pela mesa, caixinhas de fósforo como goleiros. Percebi, de novo, que a tal modernidade não nos permite mais fazer escolhas, mesmo que sejam tão importantes para nós e as nossas crianças.


Janeiro de dois mil e vinte e um. Novos aparelhos de som para os antigos CDs, crianças brincando de dar aula e de fazer comidinha, aprendendo música e rezando antes de dormir, jogando futebol em campinhos e botão de mesa. Abraçando seus avós.

Cristina André

[email protected]

Publicado em 31/12/20.

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