28/01/2020 - 09h31min
Nos primeiros dias destas boas férias na praia, no lugar que adoramos e que já foi pequeno refúgio de tranquilidade para nossa família, percebi que havia algo estranho na vizinhança. Mais precisamente, nas duas confortáveis casas do outro lado da rua. E não foi difícil constatar que estavam em guerra musical, travando acirradas batalhas diárias.
Em horários que pareciam se repetir com pontualidade britânica em litoral brasileiro, duas vezes por dia, aqueles veranistas, feito combatentes de exércitos inimigos, posicionavam caixas de som na direção da outra casa, ligavam-nas a toda altura e atacavam.
Artilharia pesada de sertanejo sofrência e pagode sobre traição ultrapassava a fronteira imposta pelo muro de média estatura, cruzando potentes mísseis de clássicos do cancioneiro nacional e rock dos anos setenta. Tudo isso sempre acompanhado pelas cantorias dos próprios soldados, de ambos os lados.
E como acontece em qualquer guerra, visto que todas primam pela insanidade, muitos pacifistas acabam sendo atingidos pelos estilhaços. Como ocorreu com o pessoal das outras moradas do entorno, incluindo a nossa. Forçados pelas circunstâncias, ouvíamos duas músicas completamente diferentes ao mesmo tempo, confundindo nossas audições, impedindo que escutássemos as nossas preferidas. Mas não queríamos ser a ONU da praia, então optamos por aguardar o final dos combates.
Eis que, em certa manhã, agindo como duas nações independentes, os fronteiriços dos inimigos musicais em questão formaram inacreditável aliança e decidiram entrar na guerra. O vizinho da sofrência e do pagode foi bombardeado de surpresa com um funk de arromba. Do outro lado, na mesma hora, para audição especial dos fãs da MPB e do rock anos setenta, o som escolhido foi de ópera.
E o tratado de paz, então, começou a se tornar realidade neste dia histórico para toda a vizinhança, quando os dois inimigos sentiram na pele, ou melhor dizendo, nos ouvidos e no coração, que gostos musicais não se discutem, são muitos e precisam ser respeitados. Assim como a escolha do momento certo para ouvirmos cada canção que nos toca o coração.
Foi na pequena praia que adoramos, nos primeiros dias destas boas férias, que presenciei uma guerra sendo travada na vizinhança. A música foi usada como arsenal dos egos inflados. Felizmente, a paz voltou para todos, e agora posso escrever ouvindo as músicas que eu quiser. E eles, as deles.
Cristina André
Publicado em 18/1/20.
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