29/07/2019 - 14h21min
Nada me causa maior encantamento do que as águas doces e turvas que banham minha cidade - do Rio Guaíba que a Geografia reinventou como Lago. Faço questão de apresentá-las a quem nos visita, fotografo luares refletidos e envio aos amigos e parentes que vivem longe. Nos encontros casuais com os vizinhos, insisto na sorte de morar aqui. Revelo que este é meu lugar no Mundo.
Temos muito em comum, eu e minha cidade. Fomos pequenas em um tempo de jogar taco, botão e cinco marias; quando redes eram apenas instrumentos de pescadores, havia reuniões dançantes nos aniversários, missa e cinema com matiné. E duas praias famosas: Alegria e Florida.
Aos domingos, recebíamos visitas de parentes e amigos, que vinham com suas famílias para um domingão de sol e piquenique na Praia da Alegria. Em conversas caseiras recorrentes, os ônibus vermelhos da Expresso Rio Guaíba que passavam lotados de manhã cedo e no final da tarde. Turistas de cidades vizinhas vinham de mala e cuia para o vôlei na areia, o futebol, as rodas de samba. E a criançada, dentro d’água o dia inteiro, brincando com boias feitas de câmaras de borracha preta.
Nos finais de semana, a maior parte das casas da Praia da Florida ficavam abertas, era o bairro cheio de belezas naturais, com o clube que reunia proprietários de casas de veraneio que moravam em Porto Alegre, um bonito hotel com restaurante frequentado por gente abastada.
Eram muito diferentes, as praias da Alegria e da Florida. Seus nomes, apropriados: a Alegria, popular e divertida, era a preferida dos visitantes de domingo; a Florida, sofisticada e tranquila, era lugar de passeio para os próprios guaibenses. Ambas adoráveis.
Fomos crescendo em parceria, eu e a cidade em que moro e que em mim faz morada. Com a chegada da grande fábrica norueguesa, a Borregaard, que se instalou na vizinhança das praias, aprendemos muito sobre crescimento econômico e oportunidade de trabalho, poluição e ecologia, perdas e danos de uma vida sem a salvaguarda dos recursos naturais que nos são caros e insubstituíveis.
Ganhamos em riqueza material, mas perdemos as praias. Verdade seja dita, com a nossa permissão, provavelmente pelo desconhecimento da época, embalado pela necessidade iminente de trabalho.
De lá para cá, em nossa caminhada adulta, eu e minha cidade fomos conquistando maturidade. Agora compreendemos que erros cometidos no passado podem, sim, servir de contraexemplos, nos fazendo encaminhar o futuro de um jeito positivo, contemplando o novo e as boas lembranças do passado.
E foi com o coração cheio de felicidade que saí do almoço na CMPC, semana passada, quando foi apresentado o projeto de revitalização de parte das praias guaibenses. As águas doces e turvas que banham a minha cidade - do Rio Guaíba que a Geografia reinventou como Lago, serão devolvidas à cidade que é meu lugar no Mundo.
Nossa Alegria está voltando!
Cristina André
Publicado em 27/7/2019.
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