17/09/2018 - 14h09min
Atucanado, colocou carpins para não encarangar naquele frio de renguear cusco. Ajeitou a melena, chaveou a porta e foi buscar cacetinhos para o café da tarde e guisado para o carreteiro da janta.
Decidido a aguentar o tirão, deixou o auto embaixo da parreira e subiu a lomba no trote. Cabeça de passarinho, se distraiu pensando na sua amada prenda, louca de especial, mais bonita do que laranja de amostra.
O problema era que, depois que juntaram os trapos, ele vivia a cabresto, lambendo a canga. Justo ele, que não levava ninguém para compadre, num upa, tinha virado pau de enchente.
Bastava um olhar de revesgueio da chinoca, já começava a cheirar a defunto. E sempre obedecia, para não embarrar o pastel.
Isso foi desde aquele dia em que sacudiu os arreios e ameaçou riscar a estrada. Quase teve mesmo que pisar no tempo, pois o entrevero de dois foi um mondongo duro de roer.
- Que tal, compadre?
Ouviu, quase na porta da venda, de um vivente que pensava já ter batido as botas, mais grosso do que dedo destroncado, querendo prosa. Agora tô ferrado, pensou.
- Tudo mais parado do que água de poço. E tu, vivente?
- Tchê, não te faz de salame, eu sei que tu é índio veio rabudo, cheio dos pilas debaixo desse ponche. Eu é que tô cortando arame com os dentes.
- Barbaridade, tu parece que anda com o estribo frouxo. Enfrenou mal o cavalo?
- Bah! O tempo está desabando. Estou em cima do laço, tenho que por o pé no estribo.
Deixou correr o marfim e deu jeito nas encomendas para não entrar em curral de rama quando voltasse à baia.
O cachorro que estava na cancha, dispensou, pra não gastar pólvora em chimango.
A descida foi mais curta do que coice de porco. E, na chegada, se aprochegou na chinoca, deu-lhe um baita abraço e perguntou:
- Fiz viagem de corvo?
Chegando de jeito, ela respondeu:
- Quem junta torresmo comigo e lambe as crias com gosto não precisa se apressar feito cavalo de carreira.
Oigalê, aquilo deixou-lhe mais faceiro do que mosca em tampa de xarope. Porque só de subir e descer aquela lomba da venda já estava rebenqueado de saudades.
E assim, de esporas lambidas, mostrou ser um bagual canchero, que sabe onde mora a coruja. E declamou seu amor por ela.
Na saída para o boliche, decidiu que, se os cupinchas lhe chamassem de boi manso, diria que são esses que arrombam as porteiras.
- Buenas!
- A la pucha, te aprochega!
- Vai um trago, tchê, pra ficar borracho e afrouxar as rédeas?
- Bem capaz!
Cristina André
Publicado em 15/9/2018.
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